quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Do desencanto

Se você concorda que sonhos são coisas boas, por lógica não pode querer que eles se realizem. A realidade é dura e, na maioria das vezes, sujeita à queda na rotina. A rotina, a despeito do quão boa, acaba por estragar as relações, mecanizando-as.

Às vezes os sonhos só existem para mover a nossa vida. Dar-nos uma falsa sensação de ter algo pra correr atrás. Nem sempre ilusões são ruins. Às vezes aquela deusa que mora no andar de cima só pode ser uma deusa quando você não a conhece. Quando você a conhece, ela se torna corriqueira, ou pior, amiga.

Entenda, a unica coisa que faz seu amor platônico amável é o fato de ele ser platônico. É pior quando vocês tem contato e aí você se certifica de que ele realmente não quer nada com vc e que o fato de ele não te dar a mínima bola é deliberado.

E quando isso acontece, você fica sem amor real e sem amor platônico. É só um vazio no lugar onde vagou um sonho outrora.

Bah. Amor é a desculpa do ser humano para ter sexo recorrente. Quem precisa de sonhos?

domingo, 12 de setembro de 2010

Das adorações

Existem coisas que me irritam. Meter o dedinho na quina de um móvel me irrita. Barulho em demasia, gente em demasia. Já fui mais tolerante: música ruim me irrita.

Já fui mais político, mais comunista, menos velho.

Hoje me irrito com coisas menores, mas não menos mordazes. De tudo mais, talvez, me irritam adorações. Mais do que barulho, multidão e Axé. (Axé está essenciamente ligado à barulho e mulditão, então acabo achando isso redundante).

Talvez o momento não me permita pesar bem minhas irritações, mas nesse pequeno átimo que talvez não perdure, irrito-me com crentes. Irrito-me com gamers e playboys. Irrito-me sumariamente com “machinhos”.

Ma.chi.nho
adj.s.m. pop. pej. 1.da união de ‘macho’, –inho; “pequeno homem”. 2. Que ou aquele que se comporta de forma padrão pré-estabelecida (porém não necessariamente moral. v. ‘cultura de massa’). 3. Que ou aquele que se comporta baseando-se no pensamento de outrem. 4. Inculto. 5. Depr. Aquele que vangloria sobre todas as coisas isto: Mulheres, futebol, bebida álcoolica, carros e veículos, brigas. 6. Dotado de comportamento tribal.

De palavras sobre o fanatismo religioso o mundo já está cheio. Até sobre política, também. Mas o quadrilátero mulher, futebol, álcool e carros é decisivo e pouquíssimo explorado.

Quão insuportável é o indivíduo que, no meio de uma conversa – às vezes até no meio de uma frase – pára. Passa uma mulher. O homem a devora com os olhos. Percorre as curvas do corpo da fêmea babando como um cão sarnento jogado à sarjeta chuovsa de uma padaria, desejando sem sorte aquele último pedaço de pão mofado. Depois, como que reunindo todo o seu orgulho perante os outros de sua laia, vocaliza em bom tom: “MAS QUE BELO PAR DE COXAS”.

Entenda, eu, como artista, estou fadado a ver a estética de um par de coxas. Mas em verdade o grito do desamparado machinho é uma súplica. O par de coxas pode até não ter sido tão homericamente devorável. Mas o grito se fez inevitavelmente necessário porque existe ali uma batalha social entre todos os machinhos para ver quem é que é superior. Quem é que “pega mais”. Quem é mais macho. De modo que cada ímpeto de testosterona é uma chifrada vigorosa que um cervo desesperado por sua fêmea tenta investir contra o outro. Se o comentário pouquissimo sutil não existir, então certamente o machinho em questão não se interessa por pares de coxas femininos. Ou pelo menos, é esta a sua fé.

E o futebol? Novamente, imagine-se em meio a uma conversa quando aparentemente durante um jogo ouve-se uma voz ao longe que esguela algo praticamente ininteligível. Pela melodia do grito trata-se de futebol. A palavra é o nome do proprio time. O brado, aparentemente, foi por um gol, o que nem sempre é o caso. Às vezes grita-se só por gritar. Para incomodar os vizinhos do outro time. Não ter time é uma blasfêmia. Sua conversa é interrompida por um rugido animalesco, um piado, um canto que puxa outros de outras janelas não muito mais distantes. Logo vê-se um coral de gritos semi-elaborados entoando um mantra completamente ilógico. Por dentro do time que é nomeado à janela, nas entrelinhas, existe a frase pejorativa que diz “meu time é melhor do que o seu”.

E o comportamento tribal é ainda mais intensificado quando a conversa é durante um jogo. Sentam-se machinhos ao sofá, bebendo a sua cerveja, comendo o seu churrasco ou qualquer outra coisa gordurosa que terá de ser limpa não por eles outra hora. Aparentemente comportados, sociais e polidos. Guerreando polidamente sobre quem sabe mais sobre futebol. Trazendo à tona eventos de um futebol em preto e branco da tão vangloriada copa de setenta ou qualquer coisa do tipo. Isso sempre tem.

Eis que o locutor anuncia o gol. E os machinhos como que num turbilhão epilético de furor saltam das suas cascas cívicas como chimpanzés enlouquecidos por qualquer banana a eles lançada, a testosterona espirrando junto à cerveja, o suor e a gordura. Bebês choram ao serem avassalados pelos rugidos ensurdecedores iluminados pelo verde do replay na televisão.

Existe uma mágica no futebol. Sim. O jogo é guerra, é estratégia. É fabuloso. Os animais que o assistem é que não são.

Não quero falar sobre os carros e as bebidas e as brigas e tudo mais. O raciocínio é o mesmo para todas essas questões. E eu, como homem, envergonho-me do comportamento dos meus semelhantes. Aparto-me, talvez não por opção: a guerra dos sexos não se aplica a mim. Tenho de mulher a sensibilidade e o carisma e de homem o labor pela hierarquia. A vontade de ser sempre alfa.

Já sou velho e intolerante. Irrito-me, sim, com as adorações mundanas dos machinhos. Que se faça, pois, justiça. Se é que afinal de contas a luz é ser comum, e a vanguarda escuridão, que não só me irritem as convicções masculinas, mas também as minhas a eles ensurdeçam.

domingo, 15 de agosto de 2010

Religiosidade cientificista

“Saudações”, ouvi enquanto andava. Olhei para um lado. Olhei para o outro. Não havia ninguem na rua. Só eu e as árvores. Pensei por alguns instantes que as árvores falavam, mas era tolo demais. Prossegui.

“Nós somos tudo”, ouvi novamente. Parei. Eu não estava ficando louco nem surdo. A voz que falava comigo não tinha som. Não vinha de fora. De alguma maneira inexplicável, vinha de dentro e eu podia ouví-la de longe e de perto, dos próprios poros da terra e dos meus. Estanquei.

“Quem é você?'”, perguntei atônito.

“Nós somos tudo”, repetiu. Não era uma voz, eram muitas, mas era uma só. Um uníssono destoante e ainda assim perfeitamente harmonioso.

“Pare de falar em enigmas. Já estou farto dos eventos que me circundam para isso”.

“Nós somos a vida. Uma raça qualquer como os seres humanos, os cães, os insetos e as plantas.”

“Uma raça alienígena?”

“Uma raça. Raças de fora da Terra ou de dentro. Tudo são espécies”.

“Nunca conheci uma raça que eu não pudesse ver, ou que se pudesse comunicar comigo sem ser humana”.

“Você não conhece tudo.”

“É verdade. Mas mesmo assim, posso estar louco. Não estou vendo vocês. Nem sentindo seu cheiro ou o seu calor. Se eu abanar minha mão na minha frente só sentirei o ar. Você não é o ar. Não é matéria”.

“Você não conhece toda a matéria. Sua tabela periódica é faltosa. Tem buracos de elementos que existem, mas incompreensíveis pela capacidade humana por enquanto. Somos uma massa de seres, um campo de energia invisivel e imensurável, por enquanto”

“Uma espécie tem indivíduos. Estou falando com um ser só?”

“Sim. E não. Nós somos muitos, mas somos um. Como formigas, abelhas e sua consciência coletiva.”

“Em que plano vocês estão? Tempo-espaço? Outras dimensões?”

“O tempo e o espaço são medidas relativas criada pelos homens para resolver os problemas dos homens. Nós não somos os homens. Não somente. Para nós, é tudo diferente. Existimos, mas estamos fora da compreensão humana, por enquanto”.

“Se é assim, por que entrar em contato conosco?”

“Porque tudo se liga. As estrelas no espaço, uma folha de árvore que cai ao seu lado. ‘Uma borboleta batendo suas asas’, se assim você preferir. Tudo faz parte de uma complexa máquina ligada uma com a outra. Dinâmica em sua ordem, mas estática e definida no seu próprio caos. O destino é tão aleatório quanto o acaso é pré-definido. O universo entre destino e acaso é tão vasto que a mente humana só é capaz de assimilar um ou outro. Nós somos todo o resto.”

“É verdade. Eu estou constantemente perdido se devo acreditar em destino ou acaso”.

“Aceite também o universo entre eles. Aceite a nós”.

“Vocês não responderam muito bem a minha pergunta. Que tipo de influência vocês têm sobre nós?”

“Nós estamos em todos os lugares, em cada célula, em cada partícula. Nosso movimento influencia o seu e, portanto, nosso poder é absoluto sobre vocês.”

“Então minhas escolhas não são minhas, são suas”.

“Se você e nós não formos um só, sim. Se você e nós estivermos conectados, em harmonia e em paz, então isso não faz diferença.”

Então, numa trovejada de esclarecimento, vi que tudo aquilo que aquela voz dizia, enfim, era familiar aos meus ouvidos. Comecei a sentir aquela raça misteriosa. Sentí-la em cada poro do meu corpo. Sentí-la em cada poro da Terra. Então entendi.

Estava afoito e indescritivelmente feliz. Ao que tudo fez sentido, precisei da pergunta – e da resposta resposta - cardeal.

“Quem é você afinal? E quem sou eu?”

“Eu sou Deus, e Jesus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo. E você é o meu fillho”.

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Pelo menos, é assim que eu penso. Sempre gostei de ficção-científica. Muito do que era o cinema agora é a realidade. Por que não isso também?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sobre ser diferente

Sempre achei bobeira quando o dizem. “Sou diferente”. É claro. Seu nariz é maior ou menor que o dos outros. Seu jeito de pegar no lápis e de cortar a carne.

Mas ao mesmo tempo, passei minha vida toda brigando contra o padrão. Tenho dúvidas se segui um padrão ao fazê-lo. Adolescentes, de um modo geral, podem ser muito hipócritas e paradoxais. Estou certo de que fui. Talvez ainda o seja.

Qual é o limite da unicidade? Será o mesmo limite da normalidade? Será que, para uma pessoa ser única ela deve ser anormal? Ou será que ser anormal é apenas mais uma faceta da diferença dos seres humanos?

Hoje, numa conversa, senti que talvez tenha ultrapassado alguns limites. Seriam esses limites da minha unicidae e, portanto,  limites da sanidade humana? Fui mal interpretado. Recebi um ralho. Uma frase que eu não gostaria de ter ouvido.

E olhem só. Cá estou eu novamente respondendo para o nada enquanto emudeci diante de alguém. É meu direito. Vou responder.

Vou responder pedindo desculpas. Não sou comum. Não sigo o padrão. Em muitos casos, nem mesmo o padrão do socialmente aceitável. Não sei se é por ser avant’garde. Sempre gostei de divergir, de experimentar, de ser excêntrico. Nunca tive problema com isso. As pessoas que se danem. Mas de inaceitação em inaceitação, as pessoas se vão indo. No final das contas restam alguns contatos tortos de internet. Alguns cumprimentos no meio da rua.

Moldar seu círculo social baseado em pessoas que te aceitem, no fim das contas, pode estar se mostrando inefetivo. Ninguem está dentro de mim. Ninguém vai ver como eu vejo, sentir como eu sinto. Comunicação, descubro, vai se tornando cada vez mais obsoleta. A arte, a expressão, o estímulo de uma experiência estética, é a única alternativa. Mas é abstrata. Para que uma pessoa sinta as coisas como eu as sinto, veja as coisas como eu as vejo e compreenda exatamente o que eu quero expor, ela precisa ter tido as mesmas experiências que eu tive. Isso não é fácil. As experiencias variam muito de pessoa para pessoa.

E voltamos à nossa unicidade.

Sou uma pessoa de experimentos. Vivo supondo e testando. Imaginando a reação das pessoas, colocando-as à prova. Ultimamente, minha premissa foi ser aberto. Na minha cabeça, ser aberto sobre aquilo que eu penso, sobre aquilo que eu gosto. Explicar o que me leva a pensar o que eu penso e gostar do que eu gosto. Ser franco, ser transparente.

É falho. Como seus ouvintes não têm o mesmo background que você, não viveram as mesmas experiências que você, eles tenderão a generalizar. Vão matar a sua unicidade. Vão transformá-lo num modelo pré-definido de tudo aquilo que ele são condicionados a acreditar como bom e verdadeiro. Farão um cristal lapidado e polido parecer uma rocha – talvez com um ou dois espacinhos brilhantes.

De fato, é besteira pensar que você não é único. Você é. Todos são. De forma similar, não é motivo de alarde que você seja diferente. Não seja pretensioso. Mas ainda assim, o limite que eu sabia existir, é mais restrito do que eu julgava anteriormente.

Destôo, mas não mais com graça e orgulho.

No final, não tenho certeza se sou cinzento demais para um mundo com muitas cores, ou se sou colorido demais num mundo gris e enfadonho.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Inspiração

Esses dias tenho pensado muito nisso. Ouço muito a frase “você é um artista”. As pessoas não consideram uma constatação (aquele que trabalha com arte), mas um elogio. De modo que a frase se torna prazeirosa. Gosto de ouvir que sou um artista. Sou mesmo, trabalho com arte, vivo com arte, sou arte.

Ao elogiar, porém, as pessoas se enganam que isso seja bom. Nada é absolutamente bom. Só que ser artista possui um lado ruim extremamente trágico que se chama Inspiração.

Não me leve a mal. Não estou tentando ser determinsta. Aliás, pelo contrário. Estou especulando, analisando, supondo.

Já fui de tudo. Ano passado fui organizado e metódico e calculista. Já tive horários. Independente deles, fiz coisas às avessas. Não trabalhei no horário de trabalho para trabalhar de madrugada. Fiz trabalhos de faculdade dois minutos antes da aula (o que é diferente de fazer dever de geografia dois minutos antes da aula). Já joguei durante a aula e já estudei em casa na tranquilidade.

Sou uma coleção de incoerências que se ordena de alguma forma caótica. Sou artístico. Sou todo inspiração.

De que vale, afinal, usar seu tempo em blocos, potencializá-lo? Já fui da opinião de que as pessoas devem organizar seu tempo para que possam dar conta de fazer o que elas devem fazer. Contradigo-me. Será mesmo essa a verdade? É muito fácil ser responsável na coleira. Será mesmo que, tendo a certeza de que o compromisso será cumprido até a data que ele deve ser cumprido, não seria melhor que ele seja feito na horá em que a inspiração gritar?

É claro que isso não se aplica a tudo. Planejamento, até certo ponto, é bom. Essencial, em alguns casos. Mas sempre? Com tudo? Virginianos, por favor! Como posso cobrar que me libertem se a chave da minha cela está comigo?

Estou perdido novamente nesse atrito harmônico entre caos e ordem. Tenho amigos deliberadamente do caos, e amigos deliberadamente da ordem. Que diabos sou eu, meu Deus.

Por que é que há coisas em que o equilíbrio é sua própria ausência?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Votum ex Trunco

A ti, Pai, venho hoje para não pedir nem implorar. Nem explicar fraquezas. Também não me desculpar.

Hoje pai somente desejo agradecer por ter sido construido como sou: Imperfeito, defeituoso. Talvez quebrado e faltoso.

Graças ao Senhor

Porque não apenas o digo de paixão, nem louvor ou fé em pureza. Digo-o principalmente de lógica. Minha razão é minha fé por excelência. Digo-o pois se fez claro, depois de tantos anos de ignorância - essa necessidade de aceitação - aquilo que fizeste e o porquê.

Até hoje não havia sabido pra que, afinal, a árvore, se onisciente como só, soubeste desde o princípio que a maçã ao homem viria? Com tanto amor que externa, porque então tentar o homem?

Mas não apenas onisciente, onipotente, onipresente… cheio de amor e entendimento. És principalmente o melhor dos estrategistas. Dos primeiros a perfeição tolheste e neles o pecado imbuíste. Aquele pecado vil e infame, que corrói e de ti nos faz aparte. Pra que?

Porque a perfeição e a proximidade do Senhor tanto corrompe quanto o pecado. Qual lógica paradoxal e brilhante! Ora, imagem e semelhança não se faz identidade. Ninguém é Deus. Ninguém se faz Deus. Proximidade – a chave – não é semelhança.

Se homens e Deus são dois lados da moeda da fé, que homem seja Cara e Deus seja Coroa. Que a tenra diferença entre ambos – aquela que não é a forma – seja a perfeição.

De fato Cara nunca será Coroa. Homem ao tentar ser perfeito, profana a Tua Criação. Homem ao tentar ser perfeito cospe em seus irmãos.

Porque sou faltoso como homem, como meus irmãos que me circundam, Graças ao Senhor.

domingo, 4 de abril de 2010

Kyrie Eleison


Confiteor Deo Omnipotent
Beatae Mariae semper Virgini
Beato Michaeli archangelo
Sanctis apostolis omnibus sanctis
Et tibit Pater
Quia peccavi nimis
Cogitatione
Verbo et opere
Mea culpa
Mea culpa
Mea maxima culpa
Kyrie Eleison
Pater


Kyrie Eleison

domingo, 14 de março de 2010

Sétimo dia

Conselho de amigo: não ouçam blues no domingo. Se existe um dia em que o universo inteiro pára, é domingo. Só criança se move no domingo, mas é porque eles “ainda não entendem”. Ora, até Deus descansou no sétimo dia. É pecado render nesse dia.

Entendam minha situação. Hoje choveu de manhã em belo horizonte e agora faz sol. O universo está abafado e o pouco vento que sopra é quente. Nesse momento sentei na minha cadeira e liguei o ventilador. Liguei a música e tocava BB King. Pobre de mim.

Como eu disse, blues no domingo é o ápice da imobilidade absoluta. Depois de certo tempo na cadeira comecei a acreditar que eu era paraplégico. A unica parte do meu corpo que se mexia era o olho. Comecei a tentar me convencer de que eu tinha que arrumar minha casa, mas a idéia de que o simples piscar me faria suar me convenceu de continuar minha transformação num objeto de decoração.

Brigando contra mim mesmo, resolvi levantar para fazer algo útil. Dessa forma, fui até a cozinha cheia de pratos e talheres e o chão grudento, abri a geladeira e – abusando da minha solteiritude – abri o suco de uva e bebi no gargalo.

Tinha suco de maracujá, mas se eu tomasse, acordaria no ano de 5241, no verão (porque Murphy me ama), em outro planeta. Viraria para o ET mais próximo e provavelmente resmungaria algo do tipo: “Caralho, velho! Dormi a tarde toda!”.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Rosas selvagens

Não é questão de esquema. Os esquemas dão a impressão de poder, de comprometimento, de certeza. A verdade é que ser calculista é uma grande pose. Seria hipocrisia, portanto, referir-me a você com este adjetivo.

Não quero ter pose. Esquemas não funcionam tão bem assim. A vida não é calculável. Os sentimentos das pessoas não são calculáveis. Enganei-me por anos. Todas as racionalizações que fiz, os objetivos que tracei... as pessoas que manipulei. Tentei muito e tudo foi em vão.

Minto. Não é verdade que não fez diferença. Fez, e para pior. Todos esses cálculos serviram unicamente para o afastar de mim. Bato minha cabeça na parede todos os dias quando penso nisso. Assumo a culpa de tê-lo deixado como você está agora.

No final das contas, não é questão de esquema. Não é questão de amor, é de necessidade.

A simbologia de planta, de regar para colher, é simplória e falha. Não se rega amor, não se planta amor e muito menos se colhe. Cultivar plantas é fazer esquema. Determinar onde ele cresce, com que velocidade. Quantas mudas plantar. Isso é ser calculista e isso não funciona. No final, a unica coisa que se colhe é um produto. Uma simulação tosca do natural. Colhe-se compromisso, coleira.

Amor cresce.

Cresce sem rumo, sem freio. Nos lugares mais improváveis, como as pequenas plantinhas que nascem nos entremeios de paralelepípedos no meio da cidade. Nos lugares e nas situações mais áridas como o deserto, lar dos cactos.

Peço perdão mil vezes por ter tentado plantar nosso amor. Depois de oscilações, divagações, lágrimas e epifanias, cheguei a uma conclusão. Eu via as roseiras daqueles à minha volta e ficava maravilhado. Como são belos os amores, as rosas, dos outros! Quis uma para mim.

Acabei por plantar uma roseira num vaso e paguei. As rosas cresceram, foram lindas enquanto viveram, mas não nasceram para a clausura. Murcharam de forma rápida, desenfreada e tudo o que eu fiz para evitar que isso acontecesse acabou acelerando o processo.

Enfim, agora que entendo as coisas um pouco melhor, percebi que estou satisfeito com a beleza das rosas. Talvez um dia elas cresçam perto de mim, talvez não. Mas ao olhar para você, minha pequena flor, estou certo de que perto ou longe de mim, a beleza e espontaneidade do seu amor verdadeiro sempre me maravilhará.

rose

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Carnaval III

Terceiro dia:

Quase o fim dele, na verdade. Hoje o sol queimou. Embora eu não estivesse sob ele, sentindo minha pele se desmantelar em bolhas escaldantes, o sol queimou.

Não abri minha janela novamente, mas foi ao acaso. Há quem diga que o acaso não existe. Não tenho uma opinião formada. Sei que não abri a janela hoje, e não estou me sentindo mal. Quem diz que acaso não existe, favor providenciar uma teoria.

Hoje o mundo estava tão parado quanto nos últimos dias. Na verdade o dia foi mais parado do que a noite. Na verdade o sol brilhou mais à noite. Seu fervor espalhou chamas por todo o mundo à noite.

Hoje o fogo do caos, da destruição, do descaso e do terror encheu a noite, iluminou as pobres almas que assistem a esse drama há meses. Fez da carne pó, fez do osso pó, fez da alma pó.

E quem perguntar o que é que se fez do amor e da amizade.

Que perguntem ao sol, porque ele ilumina mas também queima.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnaval II

Segundo dia:

O sol hoje não viu meu quarto. As janelas ficaram fechadas pelo dia e, como conseqüência, mal ouvi se as crianças gritaram nas piscinas vizinhas. Mal ouvi os pássaros, pra falar a verdade.

Hoje minha casa tomou um banho de realidade, todos saíram, todos viram a luz do dia. Todos estão risonhos assistindo as vídeo-cassetadas.

Eu?…

Eu assisti seriados o dia inteiro. Supernatural, para manter minha cabeça ocupada. “Cabeça vazia é oficina do Diabo”, dizem por aí. Ontem, lá em baixo, o nada me torturava. Tanto é que chorei ao ver o lugar em que selei um último beijo.

Eu continuo o mesmo. Consigo rir e fazer piadas. Consigo comer pão, pegar dinheiro no banco, fazer barba. Mas não sou eu, não. Não há vida, não há o piano, não há desenhos. Meus olhos continuam castanho-escuros, mas sem aquele brilho.

Entenda, não é a verdade que me caça. A verdade é só um detalhe na minha vida. A verdade é como uma tatuagem ou uma cicatriz. Não há como negá-la, ela está lá, acompanhando-nos o tempo inteiro. Já doeu, mas não durou tanto. Agora é só uma marca.

O que ainda dói, é o silêncio. O nada. A ausência. Essa estupidez inexistente! Como é que pode um murro não dado doer com tamanha intensidade? Preferia que me tivessem espancado, de verdade. Que me tivessem arrancado sangue, deixado no hospital. Mas o silêncio é tortura.

O abandono é a morte.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Carnaval I

Primeiro dia:

Já não há mais sol. O mundo hoje parece ter parado de girar. Ninguém na rua, ninguém nas janelas dos prédios vizinhos. Alguns gritos infantis vez ou outra ressoam pelo quarteirão; ao olhar para fora, não há sinal de sua fonte.

A internet está abandonada, salvo pelos estrangeiros para quem o ano já começou. Tudo que encontro em minha lista de contatos são pessoas ocupadas, ausentes. Cascos, na verdade. Sombras de quem não há.

A semana de Carnaval em São Luiz não está mais nos planos das pessoas que se sentem obrigadas a improvisar. O Brasil ainda está de férias e estará até domingo que vem. Prevejo que, a não ser pelos grandes entusiastas do samba-enredo, do Rio de Janeiro e da Rede Globo de Televisão, essa semana estará morta.

Hoje desci até o Salão de Festas. Ele ainda ecoa como ecoava no começo do ano. Instalaram-se portas e chaves. O salão que era meu amigo, meu refúgio, já não existe mais. Lá agora residem apenas ecos e memórias agridoces.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Agridoce

Primeiramente eu gostaria de que todos que estão lendo isso entendessem que eu não estou me vangloriando nesse texto. Tudo o que eu falo aqui é baseado em opiniões alheias.

Mas, como eu falar aqui e o Celso Pitta falando mandarim debaixo d’água são igualmente compreensíveis, vou colar a opinião que  amigos meus me deram por MSN. Negritei as características principais para os preguiçosos de plantão.

Paula

Papoula diz:
*ok...
*bom, a primeira impressão que eu tenho é de contradições...
*ao mesmo tempo que a escrita parece refinada e madura, os temas são um tanto mais juvenis as vezes...
*Eu acho que parece um pouco com o verríssimo, mas o texto do verissímo, passa um pouco mais de experiencia que o seu...
*bom, mas a semlhança com ao verissimo é que apesar de ser um texto quase erudito, não é rebuscado, como vc diz, é refrescante...
*consegue ser claro e bonito sem ser enfadonho…
*mais contradições... ao mesmo tempo que os temas são extremamente pessoais, vc costuma fazer observaçoes externas... são poucos os texto que mostram algum sentimento seu. Então é quase como se vc fosse, assim, uma voz alheia...
*por vc se externalizar da situação sua visão é critíca, mas não é direta...
*daí o gosto ácido indistinguivel em meio a beleza e fluídez do texto...
*hmm... outra coisa...
*parece que vc está escrevendo pra alguém em particular, sempre...
*a idéia da pessoalidade, vc faz o tema parecer pessoal...
*e o tom crítico me faz sentir, "não, ele não disse isso, não foi pra mim, mas foi pra laguém que le conhece"
*é como se a gente (o leitor, eu) tivesse que direcionar a crítica, entendeu?
*é a picada que vc sente, mas só vai coçar mesmo depois
*parece que tem um objetivo... um leitor, ou um alvo...
*eu acho o máximo... deixa aquela ideia no ar, "será que isso foi pra mim?"

Juju

Juju diz:
*regra 1 de convivencia com a juju nas férias = nada de palavras mto utilizadas em vestibulares, por favor (incluindo dissertar) auhsauhsauhsuahsuahsuahsuahsu
*eu gosto do seu jeito de escrever pq ele é bem flexível
*o seu estilo é bem cheio de personalidade... é algo que dá super pra ouvir sua voz falando o texto
*é um texto bom pq não é um texto burro
*texto burro, pra mim, são aqueles textos super bonitinhos que no final afirmam algo obviamente óbvio
*sei lá, vc discorre (droga, o vestibular voltou) sobre temas diferentes, mas sem se perder na sua opinião, vc é bem firme... quando eu leio seus textos vc sempre me leva a pensar
*mas não é só pensar, é raciocinar
*a partir de um ponto vc cria um leque de opções
*mas não de uma maneira confusa, e sim de uma maneira bem clara

Giovanni

Giovanni diz:
*vejo q vc incorpora mto da vida contemporânea
*isso é mto legal
*noto q falta mto disso para despertar nos jovens o gosto pela leitura
*é raro abrir um livro q fala de MP3, por exemplo
*gosto mto disso
*vc tem um jeito mto leve de escrever
*o q torna a leitura bem prazerosa

Tunico

o==]|==Turucutuco==> 'Cause you know, sometimes words have two meanings.... diz:
*eu curto suas expressões, as figuras de linguagem
*vc n floreia tanto, mas a compreenção é perfeita
*uma coisa causa a outra, na verdade
*e isso favorece o desenvolvimento
*vc emprega os detalhes q tem q ser empregados qndo são necessarios
*vc n descreve o apartamento, por exemplo, pq n eh interessante pra quem lê
*tp qndo vc resolve se juntar a dor, é mto perceptivel qndo vc deixa de lutar
*da pra imaginar oq vc pensou na hora, saca?
*claro, vc escreveu isso lá, mas é interessante passar a cena como um filme
*acho q eh isso

Ninguém criticou, mas tudo bem. Elogio é gostoso, mas pensando bastante com uma amiga eu cheguei a uma conclusão extremamente banal sobre a forma com a qual eu escrevo.

Explico. Preste atenção em algumas das características que negritei. Claro, refrescante, ácido, refinado. Tudo isso funciona muito bem para um texto, mas uma pessoa poderia estar descrevendo a personalidade de alguém. Você é uma pessoa clara, refrescante, ácida, refinada.

Mas principalmente, essas são as características principais do quê?

De uma limonada!

Minha escrita é como uma limonada. E não é uma limonada qualquer, é uma limonada suíça! E eu ADORO limonada suíça! Acho que se só existisse suco de limão no universo eu seria igualmente feliz. Manga é muito forte, maçã é muito fraco, laranja tem pedacinhos que incomodam. Acerola é muito amargo, morango é muito doce. Somente a limonada consegue o equilíbrio perfeito entre força, fraqueza, entre doçura e acidez.

Claro que eu estou brincando aqui. Tanto em escritas quanto em sucos, é bom estarmos regados de variedade de sabores.

Eu só tenho que agradecer, porém, a todos os meus amigos e pessoas que me apóiam. Depois de toda essa análise “sucológica” – e também depois de muito tempo de escrita – eu finalmente tenho a sensação de orgulho com o modo com o qual eu escrevo.

Espero poder contribuir para a felicidade de todos como uma limonada suíça contribui para a minha. Sendo doce e ácido, forte e fraco, claro e nebuloso em quantidades homeopáticas e equilibradas.

Obrigado, meus amigos, e um brinde a todos!

http://littleindiachicago.com/catalog/images/lemonade.jpg

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Dreams

I feel an urge to post this as I might not remember it so vividly in the future. This was one of the dreams that had me most impressed since my classical childhood nightmare in which all of my dear relatives had become fiery skeletons with swords and helmets.

I’ll try prose as it feels more immersive for readers. My goal is to – by making people feel as I felt – try and see if I’m being over dramatic when I say I was ridiculously impressed.

“We were staying at a paradise resort in the outskirts of my state. Although seemingly a happy occasion, nothing more than sweeping the dirt under the carpet, had we started this little affair of getting everyone to get used to our condition. We were dating and that was a fact.

Many friends were staying with us in that resort. There were villas for every five people and, divided as such, my family got one just for us.

I obviously couldn’t sleep with him. If I can’t be with him in my own house, where there are walls, imagine deploying such burden on my family’s arms of being with him with nothing but air separating our ‘orgy’ of sleeping (as in shutting our eyes and dreaming) together. Except that I hadn’t told him that so I saw myself in a complicated position. I had brought him to a place where he had nowhere to stay and there was nothing I could do about it.

We sat by the swimming pool thinking about a solution. For some reason we were naked. We don’t have much to hide from one another after all but more than that we were naked to everyone. Stripped of pride, reason and most importantly, ideas.

We talked a little. He was notoriously sad. Some friends were talking nearby. As I saw a female friend passing by, going to her villa, I had the brilliant idea of asking her for sanctuary. I asked my little angel to wait just for a while so that I could sort that out. He confirmed with his head bearing that little sad look that always manages to slash my heart several times in a very gory way.

And then I ran. I was very desperate. She welcomed me into her villa and we talked by the window. She was happy to provide us with a safe place to sleep, outside my family’s globe of purity, and that made me happy. In fact, as I hugged her, I noticed my heart pumped in a way I couldn’t imagine it would.

I then ran back to the swimming pool. I was very happy.

I arrived only to find that he wasn’t where I left him. There was a strange aura in the place. A cold and grey breeze of nothingness. Where is he, I asked another friend. She put her hands together and pointed to the sky. Ascended, I asked myself. In heaven? I was confused only by denial. Where is he, I asked again in a slighly louder tone, getting desperate by the hour.

She pointed forward, behind me, and bursted into tears.

I looked back to see his little nude body, lying on the floor, shrunk as a baby in mother’s womb. I ran towards him and grabbed him crying desperately. No, please. You can’t be gone!!

His skin was cold and as I turned him to me, his face was pale and his lips were purple. I was undoubtedly looking at a corpse of what was once the greatest love of my life.

I asked my friend what happened. She said she didn’t know. He had just started to scream “love, love, love, love, love, love”, calling me, and then he fell.”

And I woke up. I never felt like this before. Like I never want to sleep again.