quinta-feira, 25 de agosto de 2011

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Coroa de Ferro

De onde se sentava não podia enxergar o que viria pela frente. Olhou para o lado. A janela estava fechada e a noite escura. De modo que seu reflexo era muito visível. Em meio aos cabelos emaranhados lá estava ela. Fosca, arranhada, enferrujada. Chamavam-na ‘faixa’. Para os menos conhecidos talvez até ‘chapéu’ funcionasse. Para ele não. Para ele era uma coroa.

Riu para si mesmo. Metalinguístico? Olhou para baixo, para as pernas sobre as quais repousava a bolsa. Depois olhou para frente. Perguntou-se “onde diabos estou indo?".

A resposta era simples. Embora.

O lugar cheirava a cano antigo. Daqueles que sentimos o gosto quando lavamos o rosto numa casa velha. Metálico, coça o nariz. Talvez viesse não do chão ou dos mecanismos em volta de si, que o moviam. Talvez viesse da coroa.

Ao olhar para o outro lado sem razão ocorreu que não sabia a razao pela qual olhava para todos os lados. Que janela inútil. Que bolsa inútil. Ora, que metalinguagem inútil, então, também. Onde você espera chegar com isso?

Mas a resposta é sempre simples.

Imediatamente um cutucão lhe chamou a atenção. Era um ser pequeno, do tamanho de um anão, mas magrelo. O rosto era o de um senhor magro e idoso, de nariz long, recurvado. Um cabelo curto, sedoso e cansado percorria toda a extensão do couro cabeludo até a nuca. A pele azul era poucos tons mais clara que a calça jeans rasgada que vestia e, sem camisa, marcas púrpura percorriam toda a extensão do seu corpo até chegar nas costas onde retraído estava um par de asas. O ser puxou o cinto de segurança. Olhou para cima e cumprimentou o humano de olhos estatelados.

“Boa noite, Keib”, disse sorridente

Que diabos? Perguntou-se. Olhou para frente porque estava tendo uma ilusão. Não havia ninguém ao seu lado.

“Vá se foder”, disse o diabrete ainda sorridente. “E traga-me um pedaço de limão. Quem nasceu no ar precisa ter o hálito agridoce!”

Ele ignorou novamente.

“Keib, preste atenção… você me vê e me ouve. Eu estou aqui e estou falando. Isso quer dizer que eu existo. E mesmo se eu não estivesse fisicamente sentado nessa cadeira, usando uma merdinha de uma calça jeans rasgada que aquele filho de uma vadia me vendeu por duzentos reais, eu ainda existiria. Simplesmente pelo fato de que você me vê e me ouve”.

“Mas isso não significa que você seja real. Os esquizofrênicos também enxergam gente que não existe”, replicou.

“Então por que é que você está conversando comigo?”

“Estou falando isso mais para mim, mesmo”.

Nessa mesma hora sentiu um peso no coração. Conhecia aquele papo. Aquela sensação. Até talvez aqueles argumentos. Era tudo muito familiar. Era por isso que estava onde estava. Era essa a razão de estar com uma faixa de ferro a lhe apertar as têmporas.

“Por que você está usando fones?”, perguntou o diabrete. Os fones não tocavam musica alguma. Nem sequer estavam ligadas a algo, mais. O fio percorria todo o caminho para dentro de um bolso que agora já estava vazio. Sem responder mas assim respondendo, tirou os fones, enrolou-os e os guardou no mesmo bolso que estava vazio. Agora eram parte do passado.

“É por isso que você está indo embora, não é?”, perguntou o diabrete, já sabendo a resposta.

Sim. Era por isso e por muitos outros motivos que não lhe vinham a mente. “Também, mas isso é metalinguístico. Você pode inferir. Como você se chama?”.

“Caos”, respondeu o diabrete. “Meu nome é Caos”, completou. “E vai ficar tudo bem”.

Keib olhou para ele por alguns segundos. Depois assentiu, recostou a cabeça e fechou os olhos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O que é amor

“Frase grande, sim, eu sei. A resposta, porém, tem um penacho menor. Afinal, eu estou cansada de mente-colméia, consciência coletiva, ou o que eu mais tarde conheci, Hollywood. Estou cansada de pessoas que constantemente agem como se estivessem num blockbuster americano.

Eu vim a este mundo muito tarde. Não tive tempo para me adaptar. As regras aqui são diferentes. Os seres humanos falam demais e ouvem de menos. De modo que eventualmente eu me vi em um dilema ao me perguntarem "o que é amor?".

Então, considerando toda a minha vivência no meu mundo e desconhecimento desse mundo novo respondi o que seria a resposta mais óbvia, mas também a mais correta. Amor é uma palavra.

Ora, uma palavra? Isso eu sei. Tudo são palavras, ouvi. Mas amor é só uma palavra, nada mais. Hoje entendo a careta que montou meu interlocutor em seu rosto logo antes de perguntar "mas o que significa essa palavra?". Novamente, o que me veio a mente e posteriormente à voz, foi o mais objetivo. Mas a esse ponto já estava começando a se tornar uma resposta. Amor é uma palavra que não significa nada.

Alguns humanos sentem um rastilho incandescendo as veias como se fosse magma que os habitasse quando ouvem coisa assim. Mas a presença de dois ouvidos é para detectar predadores: seriam necessários dois cérebros.

A palavra amor é apenas um veículo. Uma caixa vazia e sortida. Cada um tem uma caixinha diferente que insiste em chamar de amor. A de alguns é grande, a de outros é azul, a de outros está escondida. Mas existe. Dentro desta caixinha são colocados sonhos e expectativas. Infelizmente, as coisas não são tão lindas. Há uma tendência vil de se colocarem conceitos dentro dessa caixa. É aí que surgem os desentendimentos, os males do mundo, se você quiser.

Entenda, nem todos colocam as mesmas expectativas dentro da caixa. Mas ninguém imediatamente sabe o que esta dentro da caixa do outro. Costuma-se perguntar para saber. Também pesquisar para descobrir. Mas outras pessoas simplesmente desconsideram o que é pessoal para o seu próximo, desrespeitam a caixa do outro e o julgam pelo conteúdo não ser igual ao seu. Aí temos guerras. Pequenas, de relacionamento. Grandes, mundiais.

Ainda há quem não se desvencilhe do hollywoodiano, quem tente encontrar um denominador comum entre o conteúdo de todas as caixas e confeccionar uma verdade universal e incontestável. Mas o cru é isto. A própria sabedoria humana sugere que cada um sabe a cruz que carrega. No fundo você sabe que a sua caixinha é diferente da do seu próximo. Você quer isso, cada vez mais.

Se não por essa característica, nao teria eu me apaixonado pela raça humana. Nenhuma espécie pôde até hoje ser autoral a esse nível. O ser humano consegue ser poético dentro e fora do senso comum. Ao mesmo tempo objetivo e metafórico. Racional e emocional.

Afinal, pensando bem, sabendo que é cérebro, não se chamam essas caixas coração?”
-- Achasia

Location:R. Ceará,Belo Horizonte,Brasil