sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Dom

Eu não poderia ser médico.

Seis anos de faculdade, um de clínica geral, mais sei lá quantos de residência. Fora todos os plantões, estágios, pós-graduações, convenções e congressos. Enfim. Há muito o que se fazer e estudar quando se quer ser médico.

Mas não é por isso que eu não seria médico. É porque eu não tenho o dom.

Ora, afinal. Eu só sou artista porque eu tenho "o dom". As pessoas vivem dizendo isso. "Ah, eu não tenho esse dom". Todos os desenhistas são providos de uma luz na hora do seu nascimento, um toque divino.

Não acredito nessa baboseira não. Toda criança desenha. Ou quase toda. Todas que eu conheço, pelo menos. A diferença é que algumas perdem o interesse e outras não.

Desvencilhe-se dessa etiqueta. "Dom" é sinônimo de desmérito.

Disso estou certo. Não tenho 'dom' para desenhar. Só prazer e um punhado de prática.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Em partes

Não há símbolo que me defina, nem palavra.
Ninguém pode resumir um ser.

Não sou só, sou em partes.

Sou metade isso, metade aquilo.
E da subdivisão disso e daquilo.
Sou um certo tudo. Mau e bom e o entremeio.

Vivo, morto e o entremeio.
A complexidade.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Sereno


Ar que me ama
Que me falta
Às vezes é vento que bombeia o coração

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Transparência

Eu não gosto de guache porque é muito opaco. Ele não deixa aparecer o branco do papel por baixo. É 8 ou 80. Vc tem que ter muita certeza de que é aquilo ali que vc quer.

Aquarela não. Com ela vc pode lentamente ir ajustando a cor para ela se tornar aquilo que vc quer. E as vezes ela acaba vazando pra um lado que vc não estava esperando, criando toda uma diferença, induzindo o artista a pensar por um outro lado.

Acho que a vida deveria ser mais assim também.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ensaio sobre a Bebida

Pode chamar de preconceito. Ser anti-preconceito é ordinário.

Lembro-me de quando jogava Super Mario no meu saudoso SNES e, em meio à confusão e o caos de monstros e blocos e quedas mortais aparecia a salvadora da pátria. A estrelinha que nos deixava invencível. A sensação de alívio e coragem que ela proporcionava. A factual invencibilidade.

Sob o seu efeito podíamos tudo.

Pois bem. Essa estrelinha existe no mundo real. Em diferentes níveis. Eu diria alucinógenos, mas conotaria drogas ilícitas. Não é isso que eu quero. Quero drogas lícitas, mas em especial o álcool. Porque fumar vicia, mas não é estrelinha.

O álcool é a estrelinha. Sob seu efeito podemos tudo. Somos mais corajosos, falamos o que pensamos sem ligar para as consequências. Somos sensíveis, somos até artísticos. Vomitamos produtividade. Em níveis mais altos vomitamos comida mesmo.

Mas é claro, álcool é igual Justin Bieber, Anime, Metal, Sertanejo e Religião. Em níveis amenos, só alegria. Em níveis fanáticos os problemas se iniciam. Como dizia um grande professor, "o problema são os fãs do Ed Motta". Beber até cair é até aceitável, mas a apologia que se sucede do mau uso da bebida é tão infantil quanto o proprio mau uso. Ora, tudo em excesso é prejudicial. Até saúde. Até amor. Até paz.

Porque o que se inicia em boemia, nas festas, cervejadas, calouradas, chopadas, micaretas, até serenatas e serestas como antigamente, acaba mal. De verdade. Talvez não hoje, talvez daqui a vinte anos. Talvez não para os usuários, mas para seus filhos e até netos.

Convenhamos, não é confortável perceber uma alteração clara de comportamento numa pessoa que é uma base para você. Um exemplo. Mesmo que inicialmente para melhor, com o tempo o sentido se esvai e só sobra um casco de opinião caótico e necessitado. Aquela tentativa de suceder naquilo que sóbrio se falha. Fazer da autoridade de pai um reinado, espancar a esposa, espancar os filhos. Jogar a cadeira na televisão, ora, que forma mais efetiva de se provar um ponto. Que sensatez! Que maturidade!

Fora a auto-condenação. Obrigar os filhos a compactuar com isso, a aceitar isso. A ver sempre aquele copo de whisky na geladeira, ou as latinhas ainda frescas que serão consumidas vorazmente. Obrigá-los a ver os resquícios do vômito, numa demoníaca alquimia de cigarro e bebida. Obrigá-los a lidar com o eterno fantasma da doença e da morte rondando na esquina. Esperando com sua foice pelo momento oportuno para fazer valer toda a insensatez de uma vida desregrada.

Não é confortavel, enfim, obrigar os filhos a lidar com sua morte prematura, regada por esse elixir de corrupção que tantos colocam num patamar quase divino. E o luto que se sucede.

Não. Eu não acho que todo o preconceito seja ruim. É, sim, quando invade a liberdade dos outros. A partir do momento que ele deixa de ser preconceito e se transforma em auto-preservação, existe verdade.

Diante desse trilho condenado em que vejo muitos de quem gosto, só posso desejar.

Bebida é uma coisa muito boa. Com certeza.

Mas limite também é.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Coroa de Ferro

De onde se sentava não podia enxergar o que viria pela frente. Olhou para o lado. A janela estava fechada e a noite escura. De modo que seu reflexo era muito visível. Em meio aos cabelos emaranhados lá estava ela. Fosca, arranhada, enferrujada. Chamavam-na ‘faixa’. Para os menos conhecidos talvez até ‘chapéu’ funcionasse. Para ele não. Para ele era uma coroa.

Riu para si mesmo. Metalinguístico? Olhou para baixo, para as pernas sobre as quais repousava a bolsa. Depois olhou para frente. Perguntou-se “onde diabos estou indo?".

A resposta era simples. Embora.

O lugar cheirava a cano antigo. Daqueles que sentimos o gosto quando lavamos o rosto numa casa velha. Metálico, coça o nariz. Talvez viesse não do chão ou dos mecanismos em volta de si, que o moviam. Talvez viesse da coroa.

Ao olhar para o outro lado sem razão ocorreu que não sabia a razao pela qual olhava para todos os lados. Que janela inútil. Que bolsa inútil. Ora, que metalinguagem inútil, então, também. Onde você espera chegar com isso?

Mas a resposta é sempre simples.

Imediatamente um cutucão lhe chamou a atenção. Era um ser pequeno, do tamanho de um anão, mas magrelo. O rosto era o de um senhor magro e idoso, de nariz long, recurvado. Um cabelo curto, sedoso e cansado percorria toda a extensão do couro cabeludo até a nuca. A pele azul era poucos tons mais clara que a calça jeans rasgada que vestia e, sem camisa, marcas púrpura percorriam toda a extensão do seu corpo até chegar nas costas onde retraído estava um par de asas. O ser puxou o cinto de segurança. Olhou para cima e cumprimentou o humano de olhos estatelados.

“Boa noite, Keib”, disse sorridente

Que diabos? Perguntou-se. Olhou para frente porque estava tendo uma ilusão. Não havia ninguém ao seu lado.

“Vá se foder”, disse o diabrete ainda sorridente. “E traga-me um pedaço de limão. Quem nasceu no ar precisa ter o hálito agridoce!”

Ele ignorou novamente.

“Keib, preste atenção… você me vê e me ouve. Eu estou aqui e estou falando. Isso quer dizer que eu existo. E mesmo se eu não estivesse fisicamente sentado nessa cadeira, usando uma merdinha de uma calça jeans rasgada que aquele filho de uma vadia me vendeu por duzentos reais, eu ainda existiria. Simplesmente pelo fato de que você me vê e me ouve”.

“Mas isso não significa que você seja real. Os esquizofrênicos também enxergam gente que não existe”, replicou.

“Então por que é que você está conversando comigo?”

“Estou falando isso mais para mim, mesmo”.

Nessa mesma hora sentiu um peso no coração. Conhecia aquele papo. Aquela sensação. Até talvez aqueles argumentos. Era tudo muito familiar. Era por isso que estava onde estava. Era essa a razão de estar com uma faixa de ferro a lhe apertar as têmporas.

“Por que você está usando fones?”, perguntou o diabrete. Os fones não tocavam musica alguma. Nem sequer estavam ligadas a algo, mais. O fio percorria todo o caminho para dentro de um bolso que agora já estava vazio. Sem responder mas assim respondendo, tirou os fones, enrolou-os e os guardou no mesmo bolso que estava vazio. Agora eram parte do passado.

“É por isso que você está indo embora, não é?”, perguntou o diabrete, já sabendo a resposta.

Sim. Era por isso e por muitos outros motivos que não lhe vinham a mente. “Também, mas isso é metalinguístico. Você pode inferir. Como você se chama?”.

“Caos”, respondeu o diabrete. “Meu nome é Caos”, completou. “E vai ficar tudo bem”.

Keib olhou para ele por alguns segundos. Depois assentiu, recostou a cabeça e fechou os olhos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O que é amor

“Frase grande, sim, eu sei. A resposta, porém, tem um penacho menor. Afinal, eu estou cansada de mente-colméia, consciência coletiva, ou o que eu mais tarde conheci, Hollywood. Estou cansada de pessoas que constantemente agem como se estivessem num blockbuster americano.

Eu vim a este mundo muito tarde. Não tive tempo para me adaptar. As regras aqui são diferentes. Os seres humanos falam demais e ouvem de menos. De modo que eventualmente eu me vi em um dilema ao me perguntarem "o que é amor?".

Então, considerando toda a minha vivência no meu mundo e desconhecimento desse mundo novo respondi o que seria a resposta mais óbvia, mas também a mais correta. Amor é uma palavra.

Ora, uma palavra? Isso eu sei. Tudo são palavras, ouvi. Mas amor é só uma palavra, nada mais. Hoje entendo a careta que montou meu interlocutor em seu rosto logo antes de perguntar "mas o que significa essa palavra?". Novamente, o que me veio a mente e posteriormente à voz, foi o mais objetivo. Mas a esse ponto já estava começando a se tornar uma resposta. Amor é uma palavra que não significa nada.

Alguns humanos sentem um rastilho incandescendo as veias como se fosse magma que os habitasse quando ouvem coisa assim. Mas a presença de dois ouvidos é para detectar predadores: seriam necessários dois cérebros.

A palavra amor é apenas um veículo. Uma caixa vazia e sortida. Cada um tem uma caixinha diferente que insiste em chamar de amor. A de alguns é grande, a de outros é azul, a de outros está escondida. Mas existe. Dentro desta caixinha são colocados sonhos e expectativas. Infelizmente, as coisas não são tão lindas. Há uma tendência vil de se colocarem conceitos dentro dessa caixa. É aí que surgem os desentendimentos, os males do mundo, se você quiser.

Entenda, nem todos colocam as mesmas expectativas dentro da caixa. Mas ninguém imediatamente sabe o que esta dentro da caixa do outro. Costuma-se perguntar para saber. Também pesquisar para descobrir. Mas outras pessoas simplesmente desconsideram o que é pessoal para o seu próximo, desrespeitam a caixa do outro e o julgam pelo conteúdo não ser igual ao seu. Aí temos guerras. Pequenas, de relacionamento. Grandes, mundiais.

Ainda há quem não se desvencilhe do hollywoodiano, quem tente encontrar um denominador comum entre o conteúdo de todas as caixas e confeccionar uma verdade universal e incontestável. Mas o cru é isto. A própria sabedoria humana sugere que cada um sabe a cruz que carrega. No fundo você sabe que a sua caixinha é diferente da do seu próximo. Você quer isso, cada vez mais.

Se não por essa característica, nao teria eu me apaixonado pela raça humana. Nenhuma espécie pôde até hoje ser autoral a esse nível. O ser humano consegue ser poético dentro e fora do senso comum. Ao mesmo tempo objetivo e metafórico. Racional e emocional.

Afinal, pensando bem, sabendo que é cérebro, não se chamam essas caixas coração?”
-- Achasia

Location:R. Ceará,Belo Horizonte,Brasil

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A storm is coming

I can feel it.

When the sky is gray and stormclouds gather. When the wind is chilly and its very cry is that of pain and suffering. A cry that breaks a cold, hesitating silence.

And I know I am in the middle of all this. I have created all this. There is no fervour, no honour, in this hour. This is the deep breath before the plunging. I’m left only to wait and wish.

If there still remains a Father to run to I can only wish for it to be quick and done for. I pledge myself to the Hammer as I have since the beggining. If guilty, I am up for my pennance. But please have mercy upon those who are no direct harm. Let the weak live.

In the end, I can only be sorry. ‘Tis not the weather itself that kills me. It is the death it brings to those who cannot find the strength to remain by my side. Let the Hammer strike. Let judgement come.

A storm is coming. I must be prepared.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Pequenez

Num jardim de rosas
As flores mais lindas
São as ervas mudas sem espinho

Quando olho para o céu
não vejo esplendor no azul ou no branco
Mas no pequeno preto
que sei ser um pássaro

E no que ele descende, de vento no rosto
Sei que é para mim, formiga, que ele olha
em meio ao verde enfadonho do chão

Onde há amor não há pequenez.

Leon Werneck,
07/02/2011

Para Júlia, minha eterna pequena