segunda-feira, 8 de abril de 2013

Essência

Perder a essência. Eis um medo que era constante na minha vida. Não apenas em mim, mas naqueles que me circundam (ou circundavam).

Eu era extremamente apegado às essências das pessoas. Ora, é a essência que fazia a pessoa. Era a sua personalidade, era o seu ser, o seu jeito de aparecer ao mundo. E eu era parte desse mundo. Se a essência fosse um odor ou uma comida eu era o seu maior crítico. Experimentei muitas essências por aí, muitas não apelavam ao meu gosto, mas muitas eram caras para mim.

Aí elas se foram. Como o odor de flores que se esvai com o tempo quando da natureza elas são retiradas. Como aquela brisa leve depois de uma caminhada cansativa que nos toca as têmporas e depois vai embora sem pedir por favor.

Perderam-se muitas das minhas caras essências. Uma amiga que fazia piadas deixou de fazê-las, um amigo que desenhava qualquer coisa não mais o faz. Uma irmã que cantava a voz se esvaiu. Um certo eu que era artista silenciou-se abruptamente.

Anteontem, porém, na escuridão e no conforto da hora de dormir de meu sobrinho pequeno ouço a esperança. Ouço algo familiar e novo, um canto manso, uma essência que não se foi. Olho para o lado e lá está minha irmã acalmando o neném com a sua voz - a mesma voz de sempre - transmutada de modo situacional. Veio-me um calor no coração talvez de todas as essências do mundo, como se todas voltassem para mim retrabalhadas. E com isso, esperança para mim.

Eis que não se perde a essência, então, eu suponho. E como dizia nosso pai, em paráfrase de um grande líder, "há de se endurecer, mas perder a ternura jamais".