domingo, 14 de março de 2010

Sétimo dia

Conselho de amigo: não ouçam blues no domingo. Se existe um dia em que o universo inteiro pára, é domingo. Só criança se move no domingo, mas é porque eles “ainda não entendem”. Ora, até Deus descansou no sétimo dia. É pecado render nesse dia.

Entendam minha situação. Hoje choveu de manhã em belo horizonte e agora faz sol. O universo está abafado e o pouco vento que sopra é quente. Nesse momento sentei na minha cadeira e liguei o ventilador. Liguei a música e tocava BB King. Pobre de mim.

Como eu disse, blues no domingo é o ápice da imobilidade absoluta. Depois de certo tempo na cadeira comecei a acreditar que eu era paraplégico. A unica parte do meu corpo que se mexia era o olho. Comecei a tentar me convencer de que eu tinha que arrumar minha casa, mas a idéia de que o simples piscar me faria suar me convenceu de continuar minha transformação num objeto de decoração.

Brigando contra mim mesmo, resolvi levantar para fazer algo útil. Dessa forma, fui até a cozinha cheia de pratos e talheres e o chão grudento, abri a geladeira e – abusando da minha solteiritude – abri o suco de uva e bebi no gargalo.

Tinha suco de maracujá, mas se eu tomasse, acordaria no ano de 5241, no verão (porque Murphy me ama), em outro planeta. Viraria para o ET mais próximo e provavelmente resmungaria algo do tipo: “Caralho, velho! Dormi a tarde toda!”.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Rosas selvagens

Não é questão de esquema. Os esquemas dão a impressão de poder, de comprometimento, de certeza. A verdade é que ser calculista é uma grande pose. Seria hipocrisia, portanto, referir-me a você com este adjetivo.

Não quero ter pose. Esquemas não funcionam tão bem assim. A vida não é calculável. Os sentimentos das pessoas não são calculáveis. Enganei-me por anos. Todas as racionalizações que fiz, os objetivos que tracei... as pessoas que manipulei. Tentei muito e tudo foi em vão.

Minto. Não é verdade que não fez diferença. Fez, e para pior. Todos esses cálculos serviram unicamente para o afastar de mim. Bato minha cabeça na parede todos os dias quando penso nisso. Assumo a culpa de tê-lo deixado como você está agora.

No final das contas, não é questão de esquema. Não é questão de amor, é de necessidade.

A simbologia de planta, de regar para colher, é simplória e falha. Não se rega amor, não se planta amor e muito menos se colhe. Cultivar plantas é fazer esquema. Determinar onde ele cresce, com que velocidade. Quantas mudas plantar. Isso é ser calculista e isso não funciona. No final, a unica coisa que se colhe é um produto. Uma simulação tosca do natural. Colhe-se compromisso, coleira.

Amor cresce.

Cresce sem rumo, sem freio. Nos lugares mais improváveis, como as pequenas plantinhas que nascem nos entremeios de paralelepípedos no meio da cidade. Nos lugares e nas situações mais áridas como o deserto, lar dos cactos.

Peço perdão mil vezes por ter tentado plantar nosso amor. Depois de oscilações, divagações, lágrimas e epifanias, cheguei a uma conclusão. Eu via as roseiras daqueles à minha volta e ficava maravilhado. Como são belos os amores, as rosas, dos outros! Quis uma para mim.

Acabei por plantar uma roseira num vaso e paguei. As rosas cresceram, foram lindas enquanto viveram, mas não nasceram para a clausura. Murcharam de forma rápida, desenfreada e tudo o que eu fiz para evitar que isso acontecesse acabou acelerando o processo.

Enfim, agora que entendo as coisas um pouco melhor, percebi que estou satisfeito com a beleza das rosas. Talvez um dia elas cresçam perto de mim, talvez não. Mas ao olhar para você, minha pequena flor, estou certo de que perto ou longe de mim, a beleza e espontaneidade do seu amor verdadeiro sempre me maravilhará.

rose